Por Fátima Ortiz
Este texto foi apresentado por Fátima Ortiz durante sua participação no encontro “Encenação no jogo e o jogo na encenação”, realizado dia 16 de junho, na Cia Senhas de Teatro, em Curitiba, durante o projeto Cia Senhas Aciona! O encontro teve também a participação de Cristiane Paoli Quito e Andrei Moscheto.
Primeiramente eu quero agradecer o convite para estar aqui neste ACIONA e dizer que valorizo muito este momento; este espaço de troca e reflexões tão necessárias e nutritivas. Um tempo para falarmos de nossas experiências neste oficio tão maluco, tão para poucos. Importa aqui saber ou dizer que somos poucos; Somos dotados de uma capacidade de resistência, sempre recheada de surpresas. Capacidade que consiste em doar nosso arsenal psicofísico para mimetizar a alma humana, as ações do ser humano, seus dilemas e conflitos. Um ato politico no sentido mais sensível do termo. O ator a atriz são os responsáveis pelo patrimônio emocional da humanidade. Jogar é preciso no estúdio de trabalho… Encenar é preciso… Ocupar o palco com o ancestral espirito lúdico. Resistir, pois temos ainda as lidanças de produção… E de projetos… Editais e os prazos… Outro jogo. Jogo real e duro de garantir a sobrevivência dos nossos coletivos e a manutenção dos nossos espaços. Portanto vivas a este encontro… Inventado para nos manter motivados vivos e atualizados. Parabéns Cia senhas por esta iniciativa que nos acolhe. Prazer de estar com Andrei, o rei do improviso, e com Cristiane uma grande inventadora de moda.
Jogo e encenação: De início preciso reforçar o valor da minha formação autodidata; que se deu sempre neste fluxo de mão dupla; de aprender ensinando . Em terra de cego quem tem olho é rei eu virei rainha em Curitiba muito cedo, logo no início neste oficio de ser gente de teatro me descobri vocacionada para conduzir processos de grupo e isso tem tudo a ver com jogo e encenação e tem a ver com aprender convivendo criativamente e coletivamente. Sobre o jogo teatral na arte-educação, sobre os jogos como ferramenta ou varinha mágica aprendi tudo que sei ,na lida, mesmo, já de início orientando os professores e frequentadores do Centro de Criatividade de Curitiba, década de 70, no tempo do bum da bioenergética, da biodança, no momento do surgimento explosivo da palavra criatividade e com ela mudanças importantes na visão da arte, a arte desmistificada e vista como fonte e forma de expressão e sensibilização; popularizaram-se entre os artistas os termos expressão sonora, expressão plástica, expressão literária, expressão corporal (abrindo e democratizando o conceito de dança) e o teatro entrado de gala em cima do salto neste cenário por ser tido como arte total, a arte que emprega que dá serviço que junta e agrega todas as expressão artísticas.
E como em terra fértil sempre vem gente semear sabedoria e inquietação aprendi e troquei com Aderbal Freire filho, Amir Adad , Joana Lopes, Fanny Abramovik e tantos outros.
Mais aqui perto curti o jogo do bufão com Dedé Pacheco.
E aqui mais pertinho aprendi com a Maíra Lour, minha filha, e com a Juliana Adur , figuras antenadas em Anne Bogart e View Points, uma delícia e grande sacada para o jogo com os atores e atrizes.
Aprendi com o tempo …
- Aqui já posso trazer uma conclusiva: O sucesso neste casamento jogo e encenação exige tempo.
- Paciência para não queimar etapas.
Formei-me e continuo-me formando assim: bebendo água de todas as fontes. Mas tenho lá minha nascente própria (meu olho d’água) minha assinatura de gente de teatro… Que também fui explorando e lapidando e pude construir um aprendizado ( ou saber que já sabia) pelo viés do teatro dirigido a infância, onde falar em jogo/ mergulhos brincantes e ênfase no imaginário é igual dizer teatro para crianças. Lugar de honra do jogo. A bola e a corda, e brincar de mãe. Jogar para que? Para do jogo extrair a dramaticidade , o conflito , a poesia. E levar o jogo até a camada da cena, da contracena e, sobretudo para inventar a atmosfera da peça.
Isso foi antes do Pé no Palco. Em 1995 quando criei o Pé já tinha muita estrada, já era uma encenadora experiente… Ali no Pé tudo foi sendo aprofundado, reexperimentado, atualizado e tem sido ainda agora tecido diariamente…
Nossa forma de trabalhar o jogo ou num sentido mais amplo a preparação para a encenação… Já de início traz a marca da confluência entre o aperfeiçoamento da inteireza do ator/atriz e sua capacidade de treino em grupo. Do olhar que olha para dentro de si: Antes do jogo coletivo vem o jogo solitário – que brinca com a pergunta: por que eu faço teatro? Repetir e jogar com as respostas sempre garante uma atualização permanente do atuante com o sentido do trabalho em grupo…
Acredito no ritual… Naquilo que antecede o jogo do dia… A atmosfera do espaço e o chegar…
A respiração que tem seus segredos… Jogar no teatro inclui, sobretudo, o laboratório central da brincadeira dramática: a barriga… O baixo ventre onde centramos o ato de nossa respiração nossa capacidade para rir e chorar… A inteireza se gesta dois dedos abaixo do umbigo e esta percepção de força interna e de engajamento é o grande pré-requisito para o jogador da cena condição básica de seu preparo para agir e produzir em grupo:
Um abdômen ativo que eleva sutilmente o ar para o alto dos pulmões instaura a PRESENÇA.
Talento? Será que eu tenho? Talento para Viola Spolin – a grande mestra do jogo- se traduz na capacidade para experimentar. O jogo só acontece com indivíduos dispostos a buscar a se jogar perder –se e se achar e, claro com um olho magico do orientador/ provocador/ condutor/ diretor… O representante do público que pode ser os próprios jogadores em estado de plateia e de preferência com tarefas igualmente regradas.
Trazer para o jogo a consciência da recepção, ou seja, sempre nos exercitando para ter a plateia junto – cumplice e na torcida- o tempo todo é fundamental.
Por estes caminhos me levou o título da mesa
O título da mesa me leva aqui à acordar expressões do nosso dia a dia no estúdio de ensaio: vamos nos aquecer / acordar o corpo / acordar o espaço / acordaras articulações sonorizando-as/ jogar o som no espaço/ se olhem/ vocês olham para vocês/ eu olho vocês/ vocês olham para mim, eu represento agora o publico.
Jogamos e brincamos, tanto nas aulas como nos ensaios, e podemos dizer não saber ou não precisar delinear onde começava o jogo e onde se concretizava a encenação.
Digo para os alunos toda aula é um espetáculo. Digo para o elenco todo ensaio é um espetáculo.
E aqui vai um exercício de grudar o jogo com a encenação:
Chegar ao estúdio = sentir o público chegar.
Aquecer o corpo = aquecer a relação com a plateia.
Sensibilizar o emocional e o psiquismo estabelecendo regras para o ensaio e para o jogo = saber capturar e saber se deixar capturar permitir que a plateia entre na história´
Mergulhar no caos criativo = igual a deixar a plateia na experiência da se saber cúmplice.
Elaborar o jogo e complicar o jogo e descomplicar = igual a permitir movimentos inteligentes na plateia e deixa-la também jogar com tudo aquilo que se processa no gráfico do espetáculo sentir a plateia inteligenciando com os atuantes a lapidação que foi feita na encenação.
Lapidar o jogo/ curtir o jogo/ não desistir/ dar conta do jogo = igual dar conta do espetáculo
Abraçar e rir com os companheiros às vezes chorar = admitir nossa potencia e impotência = receber o aplauso do público com o coração e guardá-lo no banco de credito universal.
“ENCENAÇÃO NO JOGO E O JOGO NA ENCENAÇÃO”
De um jeito ou de outro sempre está presente num trabalho de grupo este enlace da preparação de um elenco – exercícios lúdicos- com a elaboração daquilo que foi vivido e pesquisado e que vira um espetáculo. Este processo no meu entendimento e prática passa pelos vocábulos: Caos, considério e cosmos.
O ato criativo sempre se apresenta caótico logo de cara é o caos criativo a ebulição de ideias.
Depois vem o considério, ou seja, considerar…É o tempo ou o momento de amadurecer as ideias ou de escolher ou de deixar pra trás, desapegar, silenciar esperar aceitar. Paciência, atenção e foco.
E o estado cosmológico ufa! É quando rola a harmonia da criação, a beleza! Deixando claro que aqui quando falamos do belo não estamos falando do bonitinho certinho… Beleza neste caso é tudo aquilo que provoca espanto, estranheza, inquietação e aí entramos de novo no caos e o ciclo volta a agir rodar como os astros no céu.
Caos, considério e cosmos: Risco, disciplina e articulação são palavras chaves no contexto do jogo teatral. Acho que risco é fator maior é condição e pré-requisito.
Articulação tem a ver com aceitar a inutilidade e a imprevisibilidade Pra quê jogar ? Pra nada! Nada é igual à Imprevisibilidade.
E muito suor, disposição, técnica e treino. Tem gente que quando assiste a uma peça boa diz: Mas vocês treinaram bastante né?
Sim! Com a bola. A bola… Acho que é a melhor metáfora.
Outras gentes mais ligadas ao fenômeno teatral dizem: Os atores bateram um bolão. O público não foi embora. Esteve cúmplice o tempo todo. Teatro é jogo.
Em português não temos um expressão que indique teatro e jogo numa só palavra, como no inglês: PLAY/ TO PLAY. No alemão também a dimensão lúdica do fazer teatral já está presente por inteiro na palavra SCHAUSPIEL que quer dizer jogadores do espetáculo. Nós precisamos dizer o “ jogo teatral” ou o “jogo dramático”, que neste caso aplica-se mais aos processos de arte educação.
Aí talvez se explique um pouco essa dicotomia processo e resultado com a qual lidamos: O Jogo é encenação? A encenação é um jogo?
O jogo teatral é conjunto de acontecimento que envolve corpo espaço, e tempo sobretudo, e envolve igualmente as relações destes elementos com todo o arsenal material e imaterial que se faz presente na cena ou na situação e isso tudo derivados da força da enunciação, do texto, ideia ou proposta.
Tem-se jogo tem-se jogador ou atuante. Tem-se encenação tem-se encenador. O encenador surgiu outro dia, mais ou menos em 1860 conta-se que junto com o aprimoramento com luz elétrica.
O encenador ou diretor vem para organizar tudo o que pode se passar no palco. Controlar a farra. É o controlador dos efeitos.
E para além dos efeitos possíveis e das revoluções técnicas, da mecanização do palco e etc. Acrescenta-se a crise do drama e da dramaturgia clássica. A destituição da palavra do texto centrismo.
A encenação exige então uma subordinação harmonizada das expressões artísticas todas (teatro arte total) e das novas maneiras de abordagem da dramaturgia.
Encenar é colocar no espaço aquilo que de certa forma foi colocado apenas no tempo. ”Teatro é Poesia em movimento” nas palavras de Antonin Artaud.
Questão: Quando o jogo sai da camada processual de buscas e descobertas e passa a ser estrutural da encenação ou do resultado propriamente dito… Como fica? Como o jogador se apropria da encenação? “No tocante ao jogo, quem, no teatro, sabe faze-lo e ganha-lo, é quem melhor conhece as regras e finge trabalhar sem esforço e sem leis”.
Questões: Como a encenação conduz o jogo?
Como o jogo se transfigura para virar encenação?
O jogo na encenação impõe a pergunta: Como tirar o bolo da forma? Às vezes o processo é tão legal e na hora de tirar da forma se desbarranca . Ou o bolo vai na forma o que é muito comum, você vai ao teatro e vê o processo do grupo ainda na camada experimental .
Jogo é treino ? Encenação é elaboração?
A encenação é o lugar das escolhas estéticas/ do contexto social/da ficção aumentada/das ideologias e propostas de linguagens…
Encenador e diretor é a mesma coisa?
Diretor é o diretor do espetáculo
E a encenação é um resultado mais subjetivo que inclui, como no jogo, a imprevisibilidade.
E quem cuida do tal rigor técnico?
Qual é o parâmetro para o rigor técnico do jogo teatral?
Seja lá como for eu acredito na necessidade imperiosa do diretor desta figura que representa o publico que vê de fora. Ele é responsável por: “Aquele vínculo secreto e invisível que une e que traz o mistério às relações que acontecem no palco ou no espaço cênico”
Acredito igualmente na necessidade imperiosa de jogadores de teatro: Aos atores/ atrizes cabe mediar ideias/ mediar desejos de agradar de comunicar… Dirigir nosso olhar com sua energia e presença. O jogo do ator garante a vida de uma encenação. Garante a organicidade / a atuação orgânica/ o tempero de tudo que nos atravessa e que une palco e plateia. Tudo para agradar, para ser bem recebido e bastante aplaudido)
“Agradar no teatro é igual a experimentar inúmeras combinações de jogo.”
Questões:
– Da separação entre processo e resultado.
– Estabelecer a hierarquia do condutor do jogo- Qualidades do condutor do jogo
– Regras como fator de segurança cumplicidade e abertura. Fechar para abrir mais
– Perguntas que nos intrigam: A passagem do experimento para o espetáculo pronto. Um espetáculo fica pronto?
A máscara teatral é diferente da mascara social que esconde a verdade, a mascara no teatro é sempre revelador
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Fátima Ortiz é atriz, diretora teatral, diretora de produção, arte educadora e dramaturga, reconhecida por suas iniciativas e realizações que englobam o fazer teatral em suas dimensões criativas, educativas e política.